Dom Romero, mártir da paz


Cerca de 250 mil fiéis participarão da missa de beatificação de Dom Óscar Arnulfo Romero, marcada para este sábado, 23 de maio, na capital salvadorenha, San Salvador.

A comunidade católica local se prepara para o evento com uma peregrinação nesta sexta-feira, partindo da Catedral até a capela onde se encontra o túmulo do Arcebispo.

O país está em festa, porque a luta de Romero é mais atual do que nunca, como confirma o porta-voz da beatificação, Pe. Cesar Sanchez:

O país explodiu em alegria, em unidade. Nos unimos todos através do sangue de Dom Romero pedindo a paz para este país, que continua sofrendo. As palavras de Dom Romero seguem vigentes. Nos encontramos num ambiente de violência, porque há muita delinquência, organizações juvenis que delinquem, que roubam, que matam. E hoje mais do que nunca a voz de Dom Romero é importante para nós, em El Salvador. Por isso nós estamos felizes. É uma graça especial para este pequeno e sofrido país.

Trajetória de Dom Romero

Oscar Arnulfo Romero nasceu em agosto de 1917 numa família modesta em Ciudad Barrios (El Salvador). Aos 14 anos, ingressa no seminário, mas seis anos depois se afasta para ajudar a família que estava com dificuldades. Passa a trabalhar nas minas de ouro com os irmãos. Retoma os estudos e é enviado a Roma para estudar teologia, na Pontifícia Universidade Gregoriana. Romero é ordenado sacerdote em 1942, regressa a El Salvador e assume uma paróquia do interior. Logo é transferido para a catedral de San Miguel, onde fica por 20 anos. Sacerdote dedicado à oração e à atividade pastoral, dedica-se a obras de caridade, mas sem engajamento reconhecidamente social.

Em 1970 é nomeado Auxiliar de San Salvador. O Arcebispo Luis Chávez y Gonzalez busca atualizar a linha pastoral de acordo com o Concílio Vaticano II e a Conferência de Medellín. Mas Romero não se identifica integralmente com a linha pastoral proposta. Em 1974 é nomeado bispo da diocese de Santiago de Maria, em meio a um contexto político de forte repressão, sobretudo contra as organizações camponesas.

No ano seguinte, a Guarda Nacional executa cinco camponeses e dom Romero celebra missa em intenção das vítimas. Ele não faz denuncia explícita do crime, mas escreve uma carta severa ao presidente Molina.

Em 1977, Dom Oscar Romero é nomeado Arcebispo de San Salvador. Pouco tempo depois, é assassinado o jesuíta padre Rutílio Grande, engajado na luta do povo e ligado a dom Oscar. Este é o momento em que ele reavalia sua posição e se coloca corajosamente junto aos oprimidos, denunciando a repressão, a violência do Estado e a exploração imposta ao povo pela aliança entre os setores político-militares e econômicos, apoiada pelos Estados Unidos. O Arcebispo denuncia também a violência da guerrilha revolucionária. Suas homilias são transmitidas pela rádio católica dando esperança à população e provocando a fúria dos governantes.

Em outubro de 1979, um golpe de Estado depõe o ditador Humberto Romero. Uma junta de civis e militares assume o poder, e nesse cenário, exército e organizações paramilitares assassinam centenas de civis (entre eles sacerdotes). A guerrilha responde com execuções sumárias.

Em fevereiro de 1980, Dom Romero escreve ao presidente dos EUA, Jimmy Carter, um apelo para que ele não envie ajuda militar e econômica ao governo salvadorenho, para não financiar a repressão ao povo. Em 24 de março do mesmo ano, Dom Oscar Romero é assassinado por um franco-atirador, enquanto celebrava a missa na capela do Hospital da Divina Providência em São Salvador

Mártir

Para inúmeras comunidades cristãs do continente, Oscar Romero foi desde o dia do seu martírio considerado santo e invocado como São Romero da América Latina por seu empenho em favor da paz, sua luta contra a pobreza e a injustiça.

Para o Pe. José Oscar Beozzo, “a santidade de Romero é também uma santidade programática que remete à evangélica opção preferencial pelos pobres, a uma fé atuante no mundo e à profecia como inarredável tarefa dos pastores e de todos os batizados, num continente nominalmente cristão, que convive em aparente indiferença, com as seculares desigualdades e injustiças que marcam nossas sociedades dos tempos coloniais até hoje”.

O Bispo emérito de São Felix do Araguaia, Dom Pedro Casaldáliga, no dia seguinte ao assassinato de Oscar Romero associou prontamente sua morte ao martírio e ao sangue derramado pelo próprio Cristo na cruz e dedicou-lhe este poema:

Dia 25

Ontem morreu, assassinado, Dom Oscar Romero, o bom pastor de El Salvador. Enquanto celebrava a eucaristia. Seu sangue se misturou para sempre com o sangue glorioso de Jesus e com o sangue, ainda profanado, de tantos salvadorenhos, de tantos latino-americanos.

Romero, flor de uma paz que parece impossível nesta América Central sofrida.

A impressão que se tem, sem dúvida possível, é que o Império o matou. (...) Era demasiado poderosa e livre a sua voz, era necessário apagá-la. Ele o sabia e estava preparado para este sacrifício.

Foi na véspera da Anunciação. O anjo do Senhor se antecipou para anunciar, com esta morte, a chegada de um tempo de vida para El Salvador, para América Central, para todo o Continente.

São Romero da América, nosso pastor e mártir.


Fonte: Radio Vaticano